Fahrenheit 451 é um romance distópico publicado a pela primeira vez
em 1953 por Ray Badbury (1920-2012), primeiramente como um conto Bright Phoenix, depois reformulada como novela que se chamou The Fireman. Inclusive essa novela teve seus capítulos publicados
entre março e maio de 1954 na Revista
Playboy. Escrito no começo da Guerra Fria, era uma crítica ao que o autor via.
O livro fala de um futuro aonde
os livros são terminantemente proibidos. Opiniões próprias inadequadas e a
ausência de pensamento crítico.
Pera, isso é literatura? Opa, mas
parece que eu já ouvi um papo desse recentemente...
É só um pensamento. Aliás, é isso que a literatura estimula: o
pensamento livre, a crítica, a força, o poder de pensar diferente e fazer do
nosso mundo um lugar melhor.
Os bombeiros são membros
orgulhosos da sociedade que fazem transmissões ao vivo das apreensões dos
livros e Guy Montag (Michael B. Jordan),
que equivale ao nosso “famosinho” das redes sociais de hoje: exibido, cheio de
atitude e bordões, amado ídolo de todos.
Já no livro, Guy é um cara mais
introspectivo, com muitos porquês, inclusive o livro tem muito fluxo de
pensamentos dele. Na versão escrita
ele tem uma esposa que lembra uma Inteligência Artificial, ou robô,
ou algo do tipo do qual ele não tem memória e se sente melancólico pois não se
lembra como a conheceu e o legal é que, na versão cinematográfica, ela é substituída por uma câmera que cuida
para que todo o controle siga na mais perfeita ordem.
Na produção da HBO (o livro tem
uma primeira versão para o cinema de 1966),
a relação de Guy Montag e o Capitão
Beatty (Michael Shannon) é mais próxima e dão a eles também conflitos internos
sobre o sistema em que vivem.
O filme é muito bem feito para
passar a idéia de que os livros são a desgraça da humanidade, usam referências
históricas errôneas para poder justificar a proibição da literatura, como o
genocídio ter sido causado por conta dos livros, pessoas que se explodiam
matando pessoas inocentes... E a grande sacada do filme é colocar os bombeiros
como os homens que ateiam fogo. O protagonista chega a perguntar se sempre foi
assim e, no livro, Clarisse
McClellan (Sofia Boutella) chega a contar que um presidente era bombeiro e ele
que teve a ideia preventiva de “criar” os bombeiros para que cuidassem da
queima de livros.
O livro tem partes bem confusas
do fluxo de pensamentos de Montag,
tornando às vezes a leitura arrastada e difícil e o filme tira isso e coloca
mais agilidade para que possamos acompanhar todo esse processo em que começa a
se pensar no porquê de queimar os livros, por que não podemos lê-los se existem
pessoas mantendo os mesmos escondidos em suas casas e pasmem!, existe um
tráfico literário.
A obra toca na ferida quando fala
que ninguém sabe como começou, mas sempre foi assim e foi chegando nessa
geração e eles perpetuam isso. É o tal de “boi de manobra” sabe? Todo mundo vai
porque é maioria e vai fazendo, porque sempre existiu sem ao menos se dar ao
trabalho de pensar se concorda, se é certo. Okay, ali é um governo e a
resistência é caçada como animais. As pessoas que têm livros em casa são
queimadas.
Mas isso nos desperta para o que
nos tem acontecido. Em determinado momento, Montag acorda da sua letargia, esquece o ego e vai saber mais sobre
os livros. No filme Clarisse é colocada como uma dessas pessoas que transporta
livros para outros pra que eles fiquem a salvo dos Bombeiros, mas ela também é
uma informante do Capitão Beatty. Diante dos flashbacks que tem do pai, que
também era bombeiro,
ele vai atrás das razões porque toda essa coisa acontece e aquele que era amado
por toda uma nação, por agir contra ao que todo mundo pensa, é massacrado nas redes sociais e aqueles coraçõezinhos que
sobem na primeira live são trocados imediatamente quando ele é pego com livros
e dado como traídor.
Vocês sabem o quanto isso
acontece. Todos os dias. Todo dia, principalmente nas redes sociais, alguém é
transformado em vilão.
E a culpa é da ignorância. Da
falta de livros, de acreditar em falsas informações que “como todo mundo tá
dizendo” eu acredito. O famoso “tá na internet, é verdade” ou o grupo de whatsapp da família que é juiz,
júri e executor. Além de dono da verdade absoluto porque a tia viu lá no grupo
da igreja.
Todos os dias acompanhamos a
maioria por preguiça, medo de pensar diferente e as autoridades contam que
continuemos disseminando essa falta de cultura orquestrada por eles e que
jamais aceitemos algo fora daquilo que é conhecido.
Essa mensagem está nos detalhes,
na luz que parece ter sempre cor de chama, nos momentos de introspecção dos
personagens em que questionam o que está acontecendo. O uniforme dos bombeiros
é muito bem feito e a cidade iluminada e tratada no cabresto de informações
para que qualquer pessoa que aja fora do sistema veja as consequências.
Fotografia exata para um filme de TV que
mostra muito os detalhes das pessoas, principalmente nas cenas onde estão os
que ainda têm livros, é muito minucioso apesar de ser um espaço pequeno e com
câmeras tentando captar tensão. Mas o que se vê é um filme atado à ideia
principal do enredo sem se desenvolver.
Nem vou chover no molhado aqui em dizer que o livro é mais rico, mas tem muita
coisa que precisava ir para a tela para podermos nos conectar com Montag.
Seriam necessários os encontros com a Clarisse, que no livro é uma vizinha e a esposa Mildred que são também
as responsáveis pelo conflito e que foram substituídas, pelo já citado
flashback do pai de Montag,
mas que é fraco e longe, não consegue fundamentar a questão e são necessários outros
recursos com figurantes. Entre um close, uma frase ali, uma sobrancelha
arqueada, temos as pessoas que
vão servir como a parte da humanidade em busca da liberdade com toda essa
informação que existe nos livros.
Afinal, livros são a expressão
máxima de liberdade.
Ainda sim, apesar da temperatura
(Farhenheit é a escala de temperatura proposta por Daniel Gabriel Farhenheit em
1724), o filme é morno, tudo
fica muito naquilo que poderia ter sido melhor e não foi. E estamos falando da
HBO que produz a mundialmente conhecida Game Of Thrones. Os atores são
esforçados, mas a história acaba corrida, mesmo para um livro pequeno com um
fluxo de pensamentos intensos e muitas vezes complicados de se entender em uma
primeira leitura, poderiam ter dado mais profundidade a algumas coisas no livro
que seriam relevantes de ser levada para o filme.
No final fica a sementinha do
pensamento de como a literatura liberta e dá um jeito de se manter viva não
importa o viés. E que sempre haverá pessoas para lutar por essa liberdade de
que encontramos no conhecimento, em páginas fictícias ou não.
O filme é o ensejo para algo e
deixa muito o que poderia ser trabalhado.
Uma pena porque seria ótimo para
quem não é tão chegado a leitura ter acesso a tantas ideias que o livro deixa
sobre o agora que estamos vivendo.
Postado por (Ximelly Christie)
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